quarta-feira, 18 de junho de 2008

CULTURA MARGINAL NO SÉCULO XX
Universidade Invisível

No Ocidente, o tempo sempre foi linear. Entretanto, não foi até o momento das revoluções burguesas do século XVIII que uma noção dinâmica de progresso foi efetivamente incorporada a esse fato. Assim que a burguesia se instalou no poder, as implicações dessa incorporação invadiram todas as áreas da vida. Nas artes, isso manifestou-se na fetichização da "originalidade" na forma da inovação estilística. O maior símbolo disso é o racionalismo do século XVIII tornando-se o romantismo do século XIX, que por sua vez tornou-se o modernismo do século XX. É necessário enfatizar-se que essas "inovações" sempre ocorreram em termos de estilo e nunca em termos de conteúdo. Isso significa dizer que eles eram essencialmente vazios e que, sob a superfície, não houveram mudanças reais. Tendo observado as categorias mais "amplas", iremos voltar nossa atenção para as sub-divisões que garantem o jantar dos teóricos da arte. A primeira sub-divisão modernista digna de nota é o futurismo, que é essencialmente uma fusão de cubismo, expressionismo e as idéias de Alfred Jarry. Sua ênfase no choque, na originalidade e na inovação marcam-no como um produto típico da sociedade burguesa. É natural que o futurismo tenha se desenvolvido a partir de critérios como o amor pela velocidade, pelas máquinas e pela guerra.

Devido à demanda burguesa por uma pseudo-mudança contínua, o futurismo foi rapidamente substituído pelo dada como uma força artística. O dada foi basicamente o futurismo com um novo nome, mas onde o futurismo balanceava seus aspectos negativos com uma crença no progresso tecnológico, o dada abraçava uma perspectiva inteiramente niilista. A negação dadaísta alcançou o seu máximo com a criação do Club Dada em Berlim, depois da qual sua própria negação foi negada pelos dadaístas parisienses, que levaram ao cabo sua renomeação como "surrealismo".

Os surrealistas alcançaram essa negação da negação através da racionalização do irracional utilizando como instrumental fragmentos mal digeridos do Marxismo-Leninismo e do Freudismo. Onde o dada havia destruído a linguagem de alienação desenvolvida por de Sade, Lautreamont e Rimbaud, o surrealismo glorificou esses pornógrafos da alma humana como libertadores do desejo reprimido.

Quando o surrealismo afundou no academicismo, foi substituído por outros grupos mais novos. O primeiro desses, o Movimento Letrista, foi formado em 1946 por Isidore Isou, um romeno que vivia em Paris. Os Letristas identificavam a criatividade como o impulso humano essencial e então a definiram unicamente nos termos da originalidade. Seus interesses foram inicialmente literários e lembravam trabalhos inferiores de poesia concreta. Isou acreditava que ele havia reestruturado todas as estruturas estéticas e ressistematizado as ciências da linguagem e dos signos em uma disciplina unívoca que ele chamou de "hipergrafologia".

A esquerda dos letristas, dirigida por Guy Debord, invadiu uma conferência de imprensa de Charlie Chaplin no Ritz de Paris durante o verão de 1952. Isou denunciou-os aos jornais, o que resultou num cisma em que a esquerda destacou-se do corpo principal do movimento, renomeando-se Internacional Letrista e lançando uma revista própria, chamada "Potlach".

As atividades principais da Internacional Letrista eram a "deambulação" e a "psicogeografia". Essa primeira consistia de uma série de perambulações por uma cidade, seguindo as solicitações da arquitetura encontrada. Tratava-se de uma tentativa de descobrir quais arquiteturas eram desejadas inconscientemente pelo indivíduo. A última consistia no estudo e correlação do material obtido através das deambulações e era utilizada para construir-se novos mapas emocionais das áreas existentes ou esboçar-se planos para novas cidades utópicas. Enquanto os interesses do Movimento Letrista estavam primariamente focados na literatura e na estética, os interesses da Internacional Letrista eram principalmente arquiteturais. Existiram, porém, outros grupos mais focados na pintura. Um desses grupos era o COBRA, formado em 1948 a partir do Grupo Experimental Holandês, do grupo dinamarquês Spiralen e do Escritório Internacional de Surrealismo Revolucionário belga. Esse grupo, cujo trabalho era uma reação européia ao expressionismo abstrato, durou três anos e foi parcialmente reconstituído quando Asger Jorn, ex-membro, fundou o Movimento Internacional por uma Bauhaus Imaginista em 1953. Jorn foi apoiado em sua formação da Bauhaus Imaginista - que havia criado em oposição à nova Bauhaus de Max Bill - pelo pintor anarquista Enrico Baj, que à época encabeçava o movimento da Arte Nuclear.

A Arte Nuclear foi formada em 1951 por Baj e por Sergio Damgelo. Os membros foram retirados de diversos grupos de vanguarda, principalmente italiana, incluindo o MAC, T e o Grupo 58, e também incluía membros ou colaboradores dos antigos futuristas, dadaístas e surrealistas (como Raoul Hausmann). Entre 1953 e 56, não parece haver distinção clara entre os membros da Bauhaus Imaginista e da Arte Nuclear. Membros, na verdade, eram a única coisa que diferenciava a Arte Nuclear dos Espacialistas, um grupo de Milão que, como o COBRA e os Artistas Nucleares, estiveram experimentando um estilo europeu de pintura abstrata.

Em 1956, uma conferência tomou lugar em Alba, Itália, aproximando membros da vanguarda européia. Na realidade, isso significou membros da Internacional Letrista, da Arte Nuclear, do Movimento Internacional por uma Bauhaus Imaginista e da Associação Psicogeográfica de Londres. Antes do início da conferência, houve uma cisão com o representante belga Christian Dotremont, ex-surrealista e ex-COBRA. Enrico Baj foi excluído no primeiro dia e a conferência então afirmou sua quebra com os Nuclearistas. A conferência criou um acordo que formava a base para a dissolução da Internacional Letrista, a Bauhaus Imaginista e a Associação Psicogeográfica no ano seguinte e arquitetava sua substituição por uma organização única, a Internacional Situacionista. Entretanto, Jacques Calonne, um dos últimos oito membros da conferência após a exclusão de Baj, escolheu assinar o manifesto Nuclearista "Contra o Estilo" ao invés de se juntar aos situacionistas. Na realidade, somente três dos delegados da conferência, Asger Jorn, Piero Simondo e Elena Verrone, chegaram a juntar-se à Internacional Situacionista e os dois últimos foram excluídos em janeiro de 1958, enquanto Jorn retirou-se em abril de 1961.

A Arte Nuclear, como o Movimento Letrista de Isou, continuou a desenvolver suas próprias teses e ignorou a formação da Internacional Situacionista. De fato, 1957, o ano da fundação da IS, também foi um dos anos mais férteis dos Nuclearistas. Foi durante esse ano que o manifesto "Contra o Estilo" foi lançado. Seus signatários incluíam Piero Manzoni, Yves Klein (que posteriormente juntaria-se ao Nouveaux Realisme) e pelo menos um membro do Colégio de Patafísica. O manifesto postulava que "toda invenção torna-se convenção: é imitada por razões puramente comerciais, e é por isso que devemos começar uma ação vigorosamente anti-estilística pela causa de uma arte eternamente 'outra'". Concluía: "o impressionismo ajudou a pintura a livrar-se da questão do tema convencional; o cubismo e o futurismo depois livraram-se da necessidade da reprodução realista dos objetos; e a abstração por fim removeu os últimos traços da ilusão representacional. Uma nova - e final - ligação hoje completa essa corrente: nós, pintores Nucleares, denunciamos, no sentido de destruir, a convenção final, o ESTILO".

Os situacionistas passaram por duas fases distintas. Até 1961, eles eram essencialmente um movimento artístico, ainda que durante esse período tenham tornado-se progressivamente mais politizados. Entretanto, nunca houve uma mudança claramente marcada do que havia sido produzido pela Internacional Letrista - o que equivale a produção de anti-arte niilista e iconoclasta - e o que foi produzido pelos situacionistas enquanto seu projeto se desenvolvia. Durante a segunda fase de sua existência, a Internacional Situacionista foi essencialmente um agrupamento político dos mais fronteiriços entre a ultra-esquerda. Os situacionistas derivaram sua teoria política principalmente de Paul Cardan e do Socialismo ou Barbárie. A concepção central da crítica política do situacionismo é o Espetáculo. Essa idéia consiste na proposição de que, sob o Capital, o consumidor é reduzido ao nível de um espectador que observa a vida ao invés de participar nela. Deve-se enfatizar que os situacionistas interpretavam o capitalismo em termos de consumo alienado. Entretanto, o consumo é somente um aspecto de uma sociedade alienada, e deve primeiro ser gerado pela produção alienada. Os situacionistas viam uma revolução proletária mundial com o objetivo único de prazer ilimitado como o meio de romper com a produção capitalista e abolir a alienação. A forma de organização social a ser adotada durante e após essa revolução é aquela dos conselhos de trabalhadores. Desnecessário dizer que a teoria política dos situacionistas continha muitos traços de um passado boêmio e mais do que algumas idéias reacionárias.

O situacionismo alcançou seu auge durante os levantes do Maio de 68, depois dos quais alcançou rápida degeneração. A IS derivou até a sua desintegração final em 1971. Em 1974, Christopher Gray, antigo membro da IS, foi auxiliado na edição de um livro com traduções inglesas de textos situacionistas pela editora Suburban Press, de Malcolm McLaren. McLaren posteriormente usou o livro, "Leaving the 20th Century", como uma base para a criação do punk rock, utilizando informações como o fato de que os letristas pintavam slogans em suas roupas. Também foi via situacionismo que uma grande quantidade de ideologia libertina foi assimilada pela ultra-esquerda, pelo anarquismo e pela contra-cultura.

Texto retirado do site: www.rizoma.net

Um comentário:

Unknown disse...

e aí? q q vcs acharam? vamo puxá um papo aeh...